Dize-me o que cantas e direi quem és

Durante os primeiros séculos do Cristianismo surgiram muitas heresias, ou falsas doutrinas, que desafiavam a fé dos primeiros cristãos.  Um desses grupos heréticos eram os Arianos, que cantavam suas heresias para divulgá-las, com o proposito de perverter a fé dos primeiros cristãos.  Os Arianos cantavam, por exemplo, que Deus era uma só pessoa, contrariando o ensino apostólico a respeito da Trindade.

Os cristãos, cientes do poder da música para doutrinar as pessoas, também enfatizaram essa tática, cantando a doutrina da Trindade:  “Gloria ao Pai seja dada, ao Filho e ao Santo Espirito. Como era no principio, é hoje e para sempre, séculos sem fim! Amem!”

Tanto Lutero como Calvino, cientes do poder doutrinário da música, lançaram mão desde poderoso recurso para evangelizar e doutrinar a Alemanha e a Suíça, o primeiro com o hino alemão (chamado de coral) e o segundo com os Salmos metrificados.

Os hinos tiveram papel doutrinário muito importante nas campanhas dos grandes pregadores e evangelistas do passado, como os irmãos Wesley,  Dwight Moody, Charles Spurgeon, George Whitefield, Billy Sunday, Billy Graham, Edwin Orr, Luis Palau e outros.

A música toca no coração das pessoas, e a letra dos hinos os guia na doutrina bíblica da salvação e no aprendizado da Palavra de Deus.

Para as pessoas que pouco leem a Bíblia ou que não frequentam a Escola Dominical, os hinos congregacionais são considerados a única confissão de fé ao alcance delas!

Com os hinos as pessoas aprendem mais a respeito do Evangelho, de Cristo, de Deus, dos homens, do perdão de pecados, da justiça divina, do juízo e da vida eterna. Os próprios pregadores são os primeiros a admitir que, de fato, o povo aprende mais doutrina pelos cânticos do que através dos seus sermões!

Os hinos geralmente tem estruturas poéticas e musicais relativamente simples, e podem expor, em poucas palavras, as grandes doutrinas cristãs.  A melodia ou a métrica da poesia são interessantes e estéticas, e permanecem facilmente na memoria, trazendo de volta ao nosso pensamento as suas palavras, que sucessivamente, ao serem relembradas,  continuam a enfatizar o ensino.

Mas este maravilhoso poder da música nos hinos também pode ser uma faca de dois gumes, quando cantamos textos impróprios ou heréticos.  As palavras heréticas podem destruir a nossa fé!

Lamentavelmente, as igrejas cristãs em todo o mundo, têm experimentado nos últimos anos uma variedade enorme de falsos ensinos, vindos principalmente através dos cânticos!  O Brasil parece liderar essa tendência extremamente perniciosa.

As heresias disfarçadas nos cânticos são tantas, que muitos lideres começam a ver agora a calamidade avassalando as igrejas, e já sentem vergonha de muitos dos nossos cânticos!

Basta fazer uma pesquisa no Google para ver o número crescente de pessoas que têm se levantado contra esse abuso descontrolado, que está tomando conta de muitas igrejas, em todas as denominações! Embora eu tenha sempre falado a respeito do cuidado que devemos ter com a música no culto, muito do que estou expondo aqui hoje, é fruto recente de pesquisa pela Internet, que pode ser comprovado por qualquer pessoa.

Dou graças a Deus por Ele estar levantando muitos pastores e fieis músicos brasileiros que já erguem a sua voz contra as “estrelas” que exploram as igrejas, que visam os holofotes, e estão fazendo as mesmas exigências e o mesmo comercialismo dos cantores do mundo!

 Embora haja jovens e músicos dedicados, responsáveis e sinceros em nossas igrejas, um grande numero de Pastores têm sido ludibriados por estes falsos ministros do louvor, ou têm deixado a música, a liturgia e o ensino doutrinário da igreja totalmente nas mãos de pessoas completamente despreparadas para tal tarefa!

João Rodrigo Weronka não é musico, mas fez algumas excelentes reflexões na Internet sobre o papel da Música no culto, simplesmente baseado nos claros princípios bíblicos, e ele diz:

Para que haja a verdadeira adoração, em Espirito e Verdade, da qual Cristo falou, é preciso pelo menos 3 elementos:

  1. O meio: a letra ou a poesia e a música.
  2. O adorador: as pessoas
  3. O Adorado: Deus (o mais importante)

Todas as vezes que o 1o e o 2o estão em evidencia, não existe culto ou adoração.

Muitas letras são ridículas ou absurdas, e demonstram um mal gosto musical sem precedentes, o que denota a total incompetência dos que se denominam “autores poetas”, sem nunca ter estudado bem o português, e muito menos as formas poéticas, a métrica e a prosódia, que trata da acentuação correta das palavras à musica.

E o que não dizer dos que se auto denominam “levitas” e  “compositores”, sem nunca ter feito qualquer curso de música serio,  e nem ao menos frequentado algum conservatório, oficina ou seminário de música, que lhe desse ao menos alguma noção musical e informação mais bíblica a respeito da importância desse ministério?

Textos antropocêntricos

O que tem preocupado as pessoas que ainda possuem bom senso com relação à música na Igreja  e ao seu importante papel no ensino, no louvor  e na adoração,  é que os cânticos têm se tornado antropocêntricos, isto é focalizam no homem, e não em Deus. O grande pregador A. W. Tozer ja falava sobre esse perigo em seus sermões e em seus livros ha mais de 50 anos atrás!.

Grande parte das canções atuais são feitas na primeira pessoa do singular, e prioritariamente reivindicam as bênçãos de Deus, encontradas nas coisas que nos beneficiam, nas vitórias, na alegria, nos prazeres, no bem estar, na solução de todos os problemas físicos, emocionais e financeiros do ser humano!

Qual destes dois textos contem claramente os ensinos de Cristo?:

Se temos de perder Os filhos, bens, mulher, Se tudo se acabar,

E a morte nos chegar, com Ele reinaremos.

ou

Dá-me, Dá-me o que  é meu, Senhor, Dá-me, dá-me o que é meu, Senhor?

Eu poderia citar muitos cânticos como mau exemplos, mas há um que ganha a “taça”, que não posso deixar de mencionar. Perdoem-me pelo mau português e a mistura de pronomes e concordâncias.

O texto diz:

Quem te viu passar na prova e não te ajudou,
Quando ver você na bênção vão se arrepender.
Vai estar entre a plateia e você no palco.
Vai olhar e ver Jesus brilhado em você,
Quem sabe no teu pensamento
Você vai dizer: Meu Deus, como vale a pena
A gente ser fiel!
Na verdade a minha prova tinha um gosto amargo,
Mas minha vitória hoje tem sabor de mel. 

Além de ser totalmente antropocêntrico, este cântico é um tributo à vingança. É esse o verdadeiro espirito cristão?

Este cântico é o exemplo clássico dos textos triunfalistas entoados por aí, e altamente centralizado no homem..

Esses cânticos pessoais, muitas vezes exigem de volta o que acham que é seu por direito, por serem filhos do Rei! Determinam a prosperidade, tocam no altar, pedem chuva, tentam tornar erótica a sua relação com Deus, desejando da parte do Criador beijos, abraços e colo!

Todos estes são sinais muito claros que os tempos da apostasia final já estão entre nós, e conforme a tática de Satanás, embalados pelos ritmos cativantes da música, somos os últimos a perceber a gravidade deste afastamento dos princípios bíblicos!

Nossa cultura tem se tornado extremamente narcisista, e isto tem entrado na igreja. Entretanto uma visão radicalmente teocêntrica deveria ser claramente refletida em nossos cânticos!

É claro que deve haver também uns poucos cânticos  que tratam da nossa resposta a Deus, sobre sua misericórdia, seu amor, seu perdão, mas quando a esmagadora maioria das canções só se concentra em nos mesmos, estamos distorcendo a verdade sobre quem é este Deus, a quem deveríamos estar respondendo!

Shai Linne escrevendo um artigo intitulado “Louvado seja eu!” pergunta:

Quando foi a ultima vez que você ouviu uma música contemporânea que tenha ecoado as antigas canções de Davi sobre o caráter de Deus,  a Sua retidão e a Sua justiça!  (Sl 11:7)

Será correto cantar somente palavras doces e açucaradas?

Qual o sucesso nas paradas de cânticos, que canta juntamente com Naum, que Deus é “ciumento, vingador e cheio de ira?” (Naum 1:2-3). “Minha é a vingança, eu retribuirei, diz o Senhor!” (Rom 12:19)

Quem está produzindo musicas que falam do reino soberano de Deus sobre Sua criação? (Sl 2 e 115)  Respeitamos em nossos cânticos, a soberania de Deus, que sabiamente faz com que todas as coisas contribuam para o nosso bem, inclusive as desconfortáveis, difíceis e ruins? (Rom 8:28)

Como podemos aceitar um cântico que subestima essa total soberania de Deus, como “Nesta noite feliz, neste santo lugar EU marquei um encontro com Deus”? Quem somos nós para agendarmos um encontro com Deus?

Vocês podem me indicar uma canção  popular que celebra a onisciência de Deus, como no cântico de Ana? (I Sm 2:3)

E a eternidade de Deus, como no cântico de Moisés? (Sl 90:2)

E os julgamentos de Deus, como o cântico de Miriã? (Ex 15:21)

Todas estas coisas que realmente exaltam a Deus,  são ditas com frequência nas Escrituras, particularmente no contexto dos cânticos Bíblicos, e ainda assim elas tendem a estar ausentes na maioria das nossas canções atuais, com raríssimas exceções!.

Outros aspectos da adoração:

1. Moderação:

Outro aspecto da adoração que precisa ficar claro para todos os músicos, é a questão do equilíbrio, da moderação.

James K. A. Smith disse que se nós, a congregação, não conseguimos ouvir a nós mesmos, não é adoração. Adoração não é um concerto musical e muito menos uma algazarra barulhenta e desenfreada.

O canto congregacional tem de ser prioritário no culto. É uma pratica coletiva, pública em cujo som e a harmonia, todos reunidos cantam em uníssono os grandes atributos e os feitos de Deus!

Sem  duvida a volta ao cântico congregacional foi uma das maiores conquistas da Reforma.  O canto congregacional é essencial para demonstrar que somos “um” no corpo de Cristo, onde todos, sem distinção participam! Para haver a verdadeira comunhão com o meu irmão é importante que eu me una a ele, cante com ele, e que eu possa ouví-lo!  Preciso também ouvir a minha própria voz, unindo-se à dele, para que os nossos corações possam se unir nestes laços do amor cristã!

Notem bem as coisas que Satanás usa sutilmente para desviar e anular a nossa adoração a Deus e impedir que Deus seja glorificado:

  1. Quando o volume do som das bandas e conjuntos é muito alto,
  2. Quando o povo desconhece a melodia ou tem problemas em poder acompanhar o ritmo das canções,
  3. Quando a pessoa não consegue acompanhar  um cântico, por ser demais elaborado,  pelo suposto virtuosismo de artistas ou “estrelas” que muitas vezes só têm interesse profissional ou financeiro, e realmente não ministram ao povo. (Um concerto musical pode ser bonito, mas não é adoração. Músicos virtuosos podem improvisar, criar arranjos belíssimos nos cânticos, mas isto confunde a congregação, que passa a ser uma expectadora passiva.) Ela deixa de cantar e de ser a adoradora.! Há apresentações musicais religiosas inspiradoras, e elas têm o seu lugar na cultura e mesmo no meio cristão.  Mas no culto, a exibição de virtuosidade por si só, desvirtua a adoração.
  4. Quando há ênfase no entretenimento. Hoje em dia é difícil distinguir o que é o culto e o que é entretenimento. A Igreja é tentada a trazer celebridades, que podem cobrar fortunas e fazerem muitas exigências “profissionais”  para se apresentarem nos cultos. (cachet alto, camarins separados, hotel 5 estrelas, etc)

Isto é uma aberração e estas celebridades têm transformado os culto em mero entretenimento.  Palavras piedosas são cantadas diante de uma congregação passiva, que apenas acha tudo muito bonito e se deleita com as musicas, sem produzir frutos.

Se não pudermos cantar juntos com aqueles que estão supostamente “dirigindo o louvor”, esta prática deixa de ser adoração e desvia o foco que o louvor deve manter em Deus e não nos artistas ou celebridades!

Se o grupo de louvor ou coral se tornam o centro maior da atenção, a adoração pode ficar comprometida. Ainda que um coral ou grupo de louvor queira ofertar seus cânticos a Deus, nós da congregação facilmente nos tornamos passivos.

É difícil opor-se à tentação de fazer dos músicos o foco de nossa atenção, principalmente quando eles estão à vista de todos, bem na frente, muitas vezes com holofotes e um estrado elevado.

Estas diretrizes nada tem a ver com o estilo da música, se é contemporânea, se é clássica ou tradicional.

Eu creio que todo estilo musical de toda a historia,  pode ser usado para a gloria de Deus, desde que esteja dentro dos princípios Bíblicos ja estabelecidos por Deus, tais como,

a) O Texto tem de ser Biblico, –  teologicamente e doutrinariamente correto.

b) Tanto a música como o texto não devem ter associações improprias, e têm de estar dentro de principios gerais já estabelecidos por Deus em Sua Palavra:

Reverencia, equilíbrio (elementos, som) dignidade, respeito, o melhor para Deus, que nos edifique espiritualmente, promova a santidade – nos eleve mais perto de Deus, demonstre nossa nítida identidade cristã – soe como a música do céu – aquela que o ouvido não ouviu…..(diferente da música mundana!)  tenha estética e beleza, como tudo que é criado por Deus:  na poesia, na linguagem, na beleza equilibrada e sonora dos instrumentos,  na melodia e na harmonia.

 

João Wilson Faustini, com agradecimento a João R. Weronka, Jarbas Aragão, Renato Vargens, Schai Linne e James K.S. Smith.